segunda-feira, 28 de novembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO. FRANCISCO SILVA, FOGUINHO: O PEQUENO GIGANTE - POR JOTA ALCIDES

"Muitos homens devem a grandeza de suas vidas aos obstáculos que tiveram que vencer".Este pensamento do filósofo britânico Charles Haddon Spurgeon, cai como uma luva no personagem agora focado dentro da série Juazeiro do Meu Tempo. Foi uma batalha feroz a sua vida. Desde o nascimento, uma história de superação. Filho de família pobre, nasceu em 04 de novembro de 1944,apresentando sinais de uma das formas mais brandas de nanismo, o chamado nanismo primordial. Segundo a Medicina, é uma forma de nanismo expresso por um tamanho corporal menor em todos os estágios da vida, estatura e peso bem abaixo da média, mas com crescimento proporcional..É preocupante sobretudo nos primeiros dias e meses de vida. Seus pais, Joaquim Cassimiro da Silva e Maria Lindalva da Conceição, tiveram muito trabalho para salvá-lo. Era morre-não morre. Colocaram várias vezes vela nas suas mãos, costume sertanejo nessas horas de aflição, apostando na fé e na esperança. Escapou. Menino, cresceu pouco, ficou pequeno de estatura, mas, felizmente, cresceu sem atrofias, sem anomalias, cresceu proporcionalmente. Aos 14 anos já estava trabalhando como contínuo na Rádio Iracema do Juazeiro. Franzino e baixinho, tinha uma qualidade logo observada pelo diretor da emissora, mestre Coelho Alves: agilidade, super-rápido ao fazer os mandados. Deu-lhe novas funções. a de cobrador e em seguida a de controlista. "Esse menino é fogo", justificou,ressaltando a rapidez do auxiliar como se fosse uma chama, mas teve a imediata correção de sua secretária, dona Irene: "Fogo não, Foguinho". Surgiu assim o apelido de Francisco de Assis Silva, que se tornaria um dos melhores narradores esportivos do Ceará. Esperto, inteligente, disciplinado e otimista, aprendeu a ler e a escrever dentro da própria emissora com a generosa assistência de dona Irene. Era 1958, ano da Copa do Mundo na Suécia. Chefe de Esportes da Rádio Iracema, Dário Maia Coimbra providenciava a transmissão dos jogos pela Rádio Bandeirantes de São Paulo. Foguinho acompanhava tudo com entusiasmo. Segundo Luiz Carlos de Lima, seu amigo e companheiro de muitos anos, Foguinho "vibrava mais com as narrações de Edson Leite e Pedro Luiz do que com as vitorias do Brasil de Pelé e Garrincha". Foi aí que começou a sonhar em ser locutor esportivo. Em 1962, José Boaventura, novo diretor de esportes e comentarista esportivo da Rádio Iracema, decidiu treinar candidatos para locutor esportivo, porque o titular Dalton Medeiros, funcionário do Banco do Brasil, já planejava encerrar a atividade extra de locutor. Increveram-se Foguinho, controlista, e Luiz Carlos de Lima,que já atuava como repórter. Coelho Alves, com sua experiência também de locutor esportivo, e o próprio Dalton Medeiros davam as aulas técnicas e as aulas práticas aconteciam todos os dias com simulação de narração nos treinos de equipes locais no antigo campo da LDJ. Em plena euforia da conquista do Campeonato Mundial pelo Brasil, na Suécia, Foguinho e Luiz Carlos foram aprovados. Foguinho ficou como titular, porque já tinha registro na emissora, e Luiz Carlos como locutor reserva. Em 1965, Foguinho casou com Lúcia Tavares da Silva e deixou Juazeiro contratado pela Emissora Rural de Petrolina, Pernambuco. Com a transferência de Foguinho, Luiz Carlos assumiu como narrador-titular da Rádio Iracema. Já Foguinho, depois de anos de sucesso em Petrolina, foi convidado pela Rádio Cultura da Bahia, ZYN-30, em Salvador, que tinha excelente equipe esportiva, onde se destacavam os comentaristas José Athayde e França Teixeira, este conhecido nacionalmente nos anos 1960 por seu bordão: "É ferro na boneca, minha cara e nobre família baiana" . Na Rádio Cultura, no ar desde 1950 e líder de audiência no Estado, sobretudo com sua "Resenha do Meio Dia", Foguinho transmitiu campeonatos regionais, Brasileirão, Copa do Brasil, Libertadores da América e até a Copa do Mundo. Conforme Luiz Carlos, "foi a fase mais intensa e mais importante de sua carreira". Depois de Lourival Marques, Alceli Sobreira e Carlucio Pereira, era o quarto nome valor-exportação do rádio juazeirense para capitais. Aliás, com seu jeito cativante, Foguinho conseguiu superar muitas dificuldades na conquista de patrocinadores para cobrir como cobriu sete Copas do Mundo: Espanha (1982), México (1886), Itália (1990), Estados Unidos (1994), França (1998), Alemanha (2006) e África do Sul (2010). Em 2014, quando estive no Recife lançando meu 13º livro, "Mestre da Bola no Ar", com a trajetória de sucesso de Luiz Cavalcante, "o comentarista da palavra abalizada", ícone da radiofonia brasileira, dei uma entrevista ao comentarista Ralf de Carvalho, outro dos melhores do Brasil, em seu programa no Rádio Jornal do Commércio.Quando falei do Juazeiro do Meu Tempo, revelou: "Conheci Foguinho em 1998 na Copa da França. Baixinho, magrinho, parecendo um menino, mas excelente narrador e uma figura divertidíssima cheia de histórias e causos. Tiramos umas fotos e ficamos amigos". Eu não tive convivência com Foguinho cheguei à Rádio Progresso do Juazeiro, ele já estava na Emissora Rural de Petrolina, e quando ele voltou para Juazeiro, contratado pela Rádio Progresso, eu já estava trabalhando e estudando no Recife como acadêmico de Jornalismo. Por isso, tive com ele apenas contatos esporádicos durante suas visitas ao Juazeiro., ou depois nas minhas visitas ao Juazeiro. Mas, esses poucos contatos deram-me a percepção exata de que era um cara simples, humilde, honesto, dinâmico, divertido, voluntarioso , determinado, batalhador, alucinado por futebol e e apaixonado pelo radio. "Para ele, um domingo sem futebol era um domingo perdido", lembra o jornalista Demontier Tenório, que trabalhou com Foguinho durante muitos anos e deve ao amigo uma de suas maiores felicidades na carreira: fazer parte do radio esportivo, atuando já há alguns anos como comentarista na radio Vale FM do Juazeiro.. No seu livro "Foguinho Vida e Obra" narrando sua história e suas conquistas, ele ressalta que.as dificuldades enfrentadas na vida eram apenas desafios e não barreiras intransponíveis. Daí, seu agradecimento sempre renovado ao Coelho Alves e ao José Boaventura pela maior alegria que lhe deram na vida colocando-o dentro do rádio. Seu amigo e companheiro de muitas jornadas, Wilton Bezerra, ex-Rádio Progresso, hoje na Rádio Verdes Mares de Fortaleza, nunca esquece uma aventura de superação ao lado de Foguinho: embrenharam-se no meio do mato, em Afogados da Ingazeira, Pernambuco, sob chuva torrencial, trovões e riscos de raios, para consertar uma linha de transmissão danificada pelo aguaceiro e poder irradiar para o Ceará as emoções de um jogo. Em situações como essa, Foguinho surpreendia se divertindo com piadas sobre si mesmo. "Pelo meu tamanho me chamam lenhador de Bonsai"(árvore japonesa em miniaura). Para Foguinho, superar o fácil não tinha mérito, era obrigação; vencer o difícil era glorificante; e ultrapassar o que até então parecia impossivel era esplendoroso. Por isso, com base na sua experiência real de vida,marcada por desafios e superação, sempre confiando na proteção de Deus, Foguinho gostava de encerrar suas transmissões com um bordão de fé e esperança: "Se eu voltar, Deus estará comigo. Se eu não voltar, eu estarei com Deus." Depois de 50 anos dedicados ao rádio esportivo, Foguinho morreu em 15 de julho de 2014. Seu coração parou de bater, mas sua chama não se apagou na memória da radiofonia e da torcida do Cariri. De acordo com o jornalista e historiador Daniel Walker, Foguinho foi "o narrador esportivo juazeirense que alcançou esportivo mundial, sendo detentor do maior número de transmissões esportivas fora do Brasil, incluindo aí jogos disputados pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Até hoje em Juazeiro ninguém foi mais longe do que ele. E isso não é glória somente para ele, mas também para Juazeiro do Norte, cidade que é um verdadeiro celeiro de celebridades esportivas". Foguinho foi, realmente, um Pequeno Gigante, um Pequeno Notável, que virou um figura lendária da radiofonia carririense. Daria até um filme de Steven Spielberg, cheio de superação, emoção e comoção..

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "PRA-8 O Rádio no Brasil" e "O Recife, Berço Brasílico"-

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO: CHEGADA DA TELEVISÃO -POR JOTA ALCIDES

Foto  TV Jornal-Recife - Anos 60

Desde que deixou de pertencer a Pernambuco passando a fazer parte da geografia do Ceará, em 1799, até anos finais da década de 1960, portanto 161 anos, o Cariri sobreviveu praticamente abandonado pelos seguidos Governos do Ceará e Juazeiro, além de abandonado, perseguido pelos Governos do Estado, pela Igreja Católica e pela mídia de Fortaleza. por causa dp chamado Milagre da Hóstia em 1889. Culpa do segundo bispo do Ceará,autoritário e arbitrário Joaquim Vieira. Suas diabólicas cartas pastorais, cheias de mentiras, injúrias e calúnias, condenando veementemene Juazeiro, Padre Cícero, Beata Maria de Araújo e o propalado milagre, lidas nas missas de domingo em todas as igrejas do Ceará, criaram no Governo do Estado, na Igreja toda e na mídia,um espírito belicoso contra Juazeiro.Até uma guerra houve em 1914, promovida pelo governador Franco Rabelo que mandou 1 mil militares armados ao Cariri para destruir Juazeiro e matar Padre Cícero. Com a reação de milhares de romeiros do Nordeste, o governador perdeu a guerra e foi deposto. Desde então, o Ceará é indisposto com Juazeiro. Governos entram e saem e nada fazem por Juazeiro. Talvez as únicas exceções tenham sido o Governador Virgilio Távora, que ajudou um pouco o prefeito Humberto Bezerra e o Governador Plácido Castelo, que ajudou um pouco o prefeito Mauro Sampaio. Dos mais recentes, entretanto, Ciro Gomes e Cid Gomes foram uma tragédia. Agiram como verdadeiros inimigos do Juazeiro. Fizeram obras com aparência de bemfeitorias para enganar Juazeiro, mas que, na verdade, são malfeitorias, como o Metrô do Cariri e o Hospital Regional, incompatíveis com as reais necessidades juazeirenses. Até o Juazeiro do Meu Tempo, o resultado dessa omissão e dessa discriminação contra Juazeiro era bastante visível, inclusive nas vias de comunicação. Ligação rodoviária Juazeiro-Fortaleza era feita pela empresa Expresso de Luxo, de expresso e de luxo só no nome, por estrada de barro cheia de buracos e poeirenta, enquanto a ligação rodoviária Juazeiro-Recife era feita pela Auto Viação Princesa do Agreste, em dois ônibus diários, um de dia e outro à noite, por asfalto até o Recife. Na falta ainda de uma Estação Rodoviária, só inaugurada em 1972, os ônibus interestaduais faziam terminal de embarque e desembarque junto aos escritórios de suas agências. O da Princesa do Agreste ficava na Rua São Francisco, em frente à Praça Padre Cícero. Como reação ao desprezo de Fortaleza, Juazeiro passou a ter um intenso trafego econômico e cultural com Recife. O ônibus para o Recife saia de Crato com dois ou três passageiros e quando chegava no Juazeiro enchia. O que saia do Recife para o terminal de Crato, quando chegava no Juazeiro esvaziava e nele ficavam doisou três passageiros para Crato. Juazeiro liderava o relacionamento do Cariri com Recife. Isso pesou na hora de implantação de outra via de comunicação,: a televisão. Nessa época, o radio de Fortaleza chegava com precariedade ao Cariri. As duas únicas emissoras de ondas curtas da capital, Ceará Rádio Clube e Rádio Dragão do Mar não conseguiam ter boa recepção no Juazeiro, mas as duas maiores emissoras do Recife, Radio Jornal do Commércio, Pernambuco falando para o Mundo, e Rádio Clube dePernambuco, emissora pioneira na América Latina, chegavam ao Juazeiro estourando, com som local.Ambas tinham grande audiência no Juazeiro, sobretudo dos programas esportivos. O Ceará já tinha televisão, mas não demonstrava o menor interesse em estender seu sinal até Juazeiro onde chegava com as imagens fantasmas caindo ou então "chuviscando", uma porcaria. Depois de várias experiências técnicas em 1965, iniciadas pelos entusiasmados juazeirenses Luiz Casimiro e Luiz de França, finalmente ao final desse ano, sob a orientação do técnico pernambucano Geraldo Aureliano, foi instalada no topo da colina do Horto, com apoio do prefeito Humberto Bezerra, uma torre repetidora da TV Jornal do Commércio, do Recife. Foi recebida com vibração pelo povo do Juazeiro, mas o povo do vizinho Crato não gostou porque, via repetidora, tecnicamente, a televisão do Recife atingiria somente Juazeiro, Barbalha, Missão Velha, Brejo Santo e Caririaçu, não beneficiando Crato que, tecnicamente, teria de ter sua própria repetidora. Então a maior e mais moderna televisão do Brasil, com seu edifício de acabamento em mármore, granito, cerâmica e esquadrias de alumínio, o Canal 2 do Recife tinha uma torre de 138 metros de altura, equipamentos todos importados da Europa, três estúdios e um auditório para 460 pessoas. Empreendimento mais do que arrojado para a época, A TV Jornal do Commércio nasceu assim grandiosa suplantando as grandes televisões que já existiam no Sul (Tupi, Record ). Produzia a sua própria programação, incluindo novelas. Juazeiro adorava ver os programas de auditório do Canal 2 do Recife sempre com muito luxo, desde os cenários às roupas dos artistas e do público, tudo cercado do maior glamour. E assim a televisão chegou ao Juazeiro. Como havia pouquíssimos televisores nas residências do Juazeiro, nas principais lojas comerciais da Rua São Pedro, no centro, como Aliança de Ouro, Armazém Feijó, Simpatia, Casa Alencar, Centro Elétrico, eles ficavam ligados até tarde da noite quando o sinal era bem melhor do que à tarde. Juazeiro passou a ver os mesmos programas de grande audiência vistos pelo Recife na TV Jornal do Commércio. Os mais famosos deles, "Você Faz o Show", com Fernando Castelão, show de variedades aos domingos à noite, Bossa 2, sob o comando de José Maria, programa essencialmente musical sobretudo de Jovem Guarda, domingos à tarde, e "Noite de Black Tie", com Luis Geraldo, show de arte, cultura e elegância da sociedade pernambucana, sábados à noite.Os juazeirenses ficavam fascinados por "Noite de Black Tie" pelo espetáculo de moda, arte e sofisticação simbolizando a força do Recife como centro do poder econômico e cultural do Nordeste brasileiro. Parecia uma festa de gala O próprio dono da emissora, empresário e senador F. Pessoa de Queiroz fazia questão de assistir e aplaudir o programa na primeira fila do auditório. Eu pessoalmente gostava de ver, no Juazeiro, o "Repórter Esso", com Édson de Almeida, e "Show de Notícias" com sete apresentadores (cinco homens e duas mulheres) exibindo um jornal abrangente, versátil e competitivo durante 25 minutos Fazia parte desse show, um desenhista que produzia caricaturas dos entrevistados enquanto eles davam entrevistas. Com isso, aumentou ainda mais o fascínio e a influência do Recife sobre Juazeiro que permanecem até os dias de hoje. Curiosamente, no , mercado de profissionais de saúde no Juazeiro, os anúncios publicitários radiofônicos de médicos com seus consultórios e clínicas, em sua maioria, trazem a especialidade de atendimento de cada um com essa informação adicional: "Formado pela Universidade Federal de Pernambuco". É uma indicação que, além de revelar o diferencial de valor de Pernambuco sobre o Ceará, funciona como selo de garantia de qualidade que simboliza a importância do Recife no conceito dos juazeirenses fortalecendo e ampliando o relacionamento entre as duas cidades que são ligadas atualmente por três vôos diários diretos. Ainda nesse quesito médico, inexistem anúncios radiofônicos semelhantes de médicos formados pela Universidade Federal do Ceará, certamente porque não agregam valor no julgamento da gente do Juazeiro. Pelos estudos existentes sobre a influência dos macropolos metropolitanos, nas diversas regiões do Brasil, São Paulo é o macropolo nacional do Juazeiro, pois é a metrópole com quem Juazeiro mantém o maior tráfego comercial exigindo também vôos diretos diários entre as duas cidades. Mas, o macropolo regional do Juazeiro é o Recife e não Fortaleza, que é apenas capital política e administrativa vista com restrições pois não dedica a devida atenção ao Juazeiro. Com dois canais de televisão hoje,TV Verde Vale e TV Verdes Mares-Cariri, Juazeiro não precisa mais da televisão do Recife. Mas, quando Juazeiro quer novidades na economia, na cultura, na educação, na ciência na tecnologia e no turismo corre para o Recife. E vai continuar sendo assim até o dia em que o Governo do Ceará, a Igreja Católica e a mídia de Fortaleza abandonarem a cartilha do famigerado e truculento bispo Joaquim Vieira, que infernizou a vida do Padre Cícero junto ao Vaticano, encerrarem a odiosa discriminação e passarem a dar ao Juazeiro o tratamento que merece como Cidade que mais cresce no Ceará e Metrópole do Cariri. Como não tem do Ceará o que merece, mesmo após 217 anos de separação do Cariri de Pernambuco, Juazeiro permanece com o espírito pernambucano, o espírito altivo de Leão do Norte, e atraído pelo glamour da bela Veneza Americana..

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "PRA-8 O Rádio no Brasil" e "O Recife, Berço Brasílico"-

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO. RALPH DELLA CAVA:OBRA MONUMENTAL - Por Jota alcides

Quem nos ensina é Cícero, não o padre Romão Batista, mas o orador romano Marcus Tullius((106-43 a.C), um dos maiores escritores da Roma antiga: "O historiador deve adotar um grau de imparcialidade, relatando os fatos como aconteceram, sem colocar as suas convicções acima de tudo".Ele reforça o pensamento de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), um dos maiores filósofos da Grécia Antiga:: "O talento do historiador consiste em compor um conjunto verdadeiro com elementos que são verdadeiros apenas pela metade". Conhecido como Meca do Cariri até 1970, Juazeiro do Norte deu um salto de qualidade nos anos dourados de 1960. Foi um salto não apenas no seus aspectos urbanístico, social, político, econômico e cultural. Deu um salto de qualidade também no seu perfil histórico que passou a exibir ao Brasil e à comunidade internacional um novo Juazeiro. Até então a história do Juazeiro era marcada pelo maniqueísmo. Para os adeptos da escola religiosa, sincrética e dualista de Maniqueu, filósofo cristão do século III, Juazeiro ou era uma história do reino da luz, sob a influência extraordinária do extraordinário Padre Cícero, venerado como Taumaturgo do Nordeste, ou era uma história do reino das sombras sob influência do mesmo Padre Cícero, acusado de heresiarca do sertão. Era assim mesmo: de um lado, apologistas do Padre Cicero; do outro, difamadores do Padre Cícero. Muitos escritores famosos no Brasil, como Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Lourenço Filho, Otacilio Anselmo, Edmar Morel e padre Antonio Gomes massacraram Padre Cícero e Juazeiro fazendo eco ao discurso autoritário, arbitrário e tendencioso do segundo bispo do Ceará, dom Joaquim Vieira, principal algoz do capelão do Juazeiro desde o chamado Milagre da Hóstia, em 1889.As pastorais diabólicas desse bispo, presunçoso e inescrupuloso, cheias de injúrias, calúnias e difamações, lidas nas missas de domingo em todas as igrejas do Ceará, germinaram e produziram uma sólida aversão, ainda persistente, de toda a Igreja no Estado, dos Governos cearenses, da mídia de Fortaleza e de todo o povo cearense ao Juazeiro e ao Padre Cícero.Comprova isso um fato estatístico ao longo do último século: não há cearenses entre os milhões de romeiros que visitam Juazeiro em homenagem ao Padre Cícero. Omo aconteceu na recente Romaria de Finados, quando Juazeiro recebeu de uma só vez 600 mil romeiros, em sua maioria, cerca de 42% ,pernambucanos, seguidos de alagoanos, paraibanos, potiguares, piauienses e sergipanos. Felizmente, nos anos dourados de 1960, Juazeiro do Meu Tempo estava sendo palco de um estudo científico criterioso, silencioso, paciente, exaustivo e elucidativo, que iria romper a dualidade dessa história. Para reconstituir o passado histórico verdadeiro do Juazeiro, o professor Ralph Della Cava, da Universidade de Colúmbia, Nova Iorque, resolveu morar no Brasil durante 14 anos, concentrando sua pesquisa de campo em Juazeiro do Norte onde residiu com a esposa Olga, companheira de ideais..Seu objetivo: que os motivos e a significação do passado do Juazeiro ficassem claros, evidentes, inteligíveis e desnudados de mitos, fantasias e erros. Era um estudo acadêmico para defesa de sua tese de doutorado em Nova Iorque. Para isso, conseguiu dois apoios sem os quais sua obra não teria sido possível: do diretor do Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte, padre Gino Moratelli, então guardião dos arquivos do Padre Cícero preservados no colégio; e do bispo Dom Vicente de Araújo Matos, da Diocese de Crato, onde estavam os arquivos com a visão da Igreja Católica Romana sobre o fenômeno religioso do Juazeiro. Logo descobriu que muitos estudos anteriores estavam divorciados da realidade atribuindo o fenômeno quase exclusivamente à personalidade carismática e messiânica do Padre Cícero ou ao fanatismo religioso de massas incultas de sertanejos. Como o próprio Della Cava interpreta "uma bibliografia bastante sectária, refletindo, no fundo, amargas divergências políticas e religiosas, inspiradas desde 1889, por Padre Cícero e pelo movimento - divergências essas que situam entre as mais acaloradas dos anais da história brasileira". Descobriu também que "os atores e os acontecimentos nos quais o movimento do Juazeiro se originou e se desenvolveu eram partes e parcelas de uma ordem social nacional".,ou ainda que o movimento popular religioso do Juazeiro afetou e foi afetado: pela instituição eclesiástica internacional, a Igreja Católica Apostólica Romana, pelo sistema político nacional do Brasil,imperial e republicano; e por uma economia nacional e internacional em mudança. Ancorado nessa avaliação, Della Cava seguiu determinado e inspirado em Aristóteles, Cícero e também no escritor português Fernando Pessoa, pelo seu alter ego Álvaro de Campos: "O historiador é um homem que põe os fatos nos seus devidos lugares". Com suas numerosas pesquisas e entrevistas e enorme quantidade de dados obtidos em arquivos credenciados, resultado de um trabalho disciplinado e científico concluído no Juazeiro no final dos anos 1960, Della Cava, transformado em grande "Walking Archive " fundamentou e escreveu sua tese de doutorado "Milagre em Joaseiro", que apareceu como livro no Brasil em 1976, até hoje a mais importante obra sobre Padre Cícero e Juazeiro. Sob metodologia científica, Della Cava produziu a verdadeira história do Juazeiro e do Padre Cícero, adotando, rigorosamente, o preceito do escritor, filósofo, teólogo, filólogo e historiador francês. Ernest Renan: "O primeiro dever do historiador é não trair a verdade, não calar a verdade, não ser suspeito de parcialidades ou rancores". Desde então, Padre Cícero do Juazeiro passou a ser alvo de estudos acadêmicos em todas em todos os campos do conhecimento científico. Eu mesmo lancei em 1990 "Padre Cícero, O Poder de Comunicação", o primeiro e o único livro focando exclusivamente a capacidade de comunicação dele entre mais de 300 já existentes na vasta bibliografia sobre o Patriarca do Juazeiro.Assim como o prefeito Mauro Sampaio construiu uma obra arquitetônica grandiosa- a Estátua do Padre Cícero, a segunda maior do Brasil abaixo do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, obra do século XX no Juazeiro, dividindo a história da cidade em antes e depois do monumento, Della Cava produziu uma obra acadêmica científica fantástica - o livro "Milagre em Joaseiro ", dividindo a história do Juazeiro em antes e depois dela. Depois da estátua de Mauro Sampaio, Juazeiro passou a receber maiores multidões de romeiros, chegando hoje aos três milhões por ano, e a cidade virou o maior centro do catolicismo popular da América Latina. Depois do livro de Della Cava, Juazeiro passou a ser referência de estudos científicos nas principais Universidades brasileiras. Della Cava abriu as portas do mundo acadêmico para Juazeiro. E Juazeiro passou a ter uma história dividida em antes e depois de Della Cava. Ate um Simpósio Internacional sobre Padre Cícero vem sendo realizado, desde 1988, no Juazeiro, pela Universidade Regional do Cariri, reunindo, em exposições e debates, teólogos, filósofos, sociólogos, antropólogos, psicólogos, professores, escritores, pesquisadores e outros especialistas nacionais e estrangeiros. Em sua obra, Della Cava não julga Padre Cícero, nem Juazeiro, nem os romeiros. Mas, mostra, detalhadamente, o papel de cada um num cenário político regional e nacional. E exibe, em toda a sua extensão, o drama pessoal do Padre Cícero, entre as pressões e opressões da sua própria Igreja, o ardor e clamor de seus milhares de devotos, e as ingerências e influências do coronelismo político municipal, estadual e nacional. Tempo de insurgências e ressurgências, como diria o maior sociólogo do Brasil, polímata e pantólogo brasileiro de Pernambuco, Gilberto Freyre, formado e pós-graduado na Universidade de Columbia, a mesma de Della Cava. Esse despertar acadêmico, provocado por Della Cava, continua a produzir seus efeitos pois Juazeiro é um centro dinâmico não apenas religioso, mas também demográfico, econômico, social e cultural. É o único centro de romarias do mundo que apresenta desenvolvimento geral, coerente, convergente e influente. Na demografia, Juazeiro é, há mais de um século, a cidade que mais cresce no Ceará, hoje com 270 mil habitantes (IBGE). Na economia, Juazeiro é o terceiro maior pólo da indústria calçadista brasileira (ABIC), exportando calçados para mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos, e tem o maior shopping center do interior do Nordeste. Nos transportes, o Aeroporto do Juazeiro, com nove vôos diários e diretos para as principais capitais brasileiras, é o que mais cresce em movimento no Brasil (Infraero). Na educação, Juazeiro é hoje, com seis Universidades.inclusive sede da Universidade Federal do Cariri (UFCA) e 150 cursos superiores, o maior centro universitário do interior do Ceará e um dos mais importantes do Nordeste. Na cultura, Juazeiro é a cidade brasileira onde a população tem mais envolvimento com atividades culturais, segundo pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como resultado de tudo isso, Juazeiro é hoje um dos 72 principais mesopolos de desenvolvimento do Brasil, conforme estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo consolidada sua condição de Metrópole do Cariri. Essa notável transformação, ocorrida nos últimos 50 anos, desde os anos dourados da década de 1960, tem a ver menos com a capacidade de gestão do poder público e muito mais com a capacidade de empreendedorismo privado do seu povo, estimulado pelo Padre Cícero com seu lema beneditino "ora et labora". E tem a ver com o despertar das Universidades brasileiras, que passaram a ver Juazeiro com outros olhos, induzidas pela obra científica de Della Cava,gerando mídia nacional positiva para a cidade do Padre Cícero.E quanto mais mídia positiva, mais novos investidores nacionais e multinacionais no Juazeiro, como Walmart e Carrefour, os dois maiores grupos varejistas do mundo.. Além de receber cerca de três milhões de romeiros por ano, Juazeiro é, há mais de um século, a cidade que mais cresce no Ceará em população, em economia, em urbanismo, em educação e cultura. Este é seu grande diferencial: Quanto mais Juazeiro local, mais Juazeiro internacional. Certamente, tudo isso inspirou Della Cava a deixar, temporariamente, Nova Iorque, centro do mundo, para fazer pesquisa no interiorzão da América do Sul e escrever "Milagre em Joaseiro", a verdade histórica sobre Juazeiro, que lhe deve eterna gratidão pela obra edificada - original, magistral, doutoral, monumental. Della Cava cumpriu o fim social do seu saber como queria o saudoso Mestre de Apipucos, Gilberto Freyre: "O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros". Parabéns!

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Padre Cícero, O poder de Comunicação" e "Comunicação & Linguagem das Massas"-



segunda-feira, 7 de novembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO. ALCELI SOBREIRA: O TROVÃO DO RÁDIO

"São Paulo tem cinco estações: Primavera, Verão, Outono, Inverno e Piratininga. Você está ouvindo a PRB-6, Rádio Piratininga, emissora do coração de São Paulo". Com seu vozeirão inconfundível, grave e de alta potência, fenômeno sonoro como um trovão, assim ele anunciava o prefixo da Rádio Piratininga de São Paulo encantando os ouvintes da maior metrópole da América do Sul. Seu nome: Alceli Sobreira, radialista, jornalista, noticiarista, humorista, cronista, disck-jóquei, radioator, animador de auditório, escritor, poeta, professor, poliglota, mestre de cerimônias, autêntico showman. Depois de Lourival Marques,exportado do Juazeiro para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, no final dos anos 1940, foi o segundo radialista do Juazeiro de qualidade exportação, brilhando num grande centro, no competitivo mercado de São Paulo. Contratado como locutor e jornalista, pela Piratininga, sucessora da Rádio Cruzeiro do Sul, fundada em 1927, exerceu as funções de locutor, noticiarista, secretário de Redação e Redator-Chefe da emissora. A Rádio Piratininga primava pela excelência, segundo depoimento do próprio Alceli: "Foi uma época maravilhosa, onde tive a oportunidade de ampliar os meus conhecimentos jornalísticos em todos os aspectos",Trabalhou também na Rádio Eldorado de São Paulo. Poderia ter-se consagrado nacionalmente como um dos maiores radialistas do Brasil, mas por motivos familiares teve que voltar para sua terra, Juazeiro. Sobre essas mudanças em sua vida, um dia escreveu: "Sonhar não é o bastante. Bom mesmo é trabalhar sempre para ser o melhor. Ser o melhor não é o bastante. Bom mesmo é pensar no amanhã. Ter fé no amanhã não é o bastante. Bom mesmo é ser humilde com os menos favorecidos e ter altivez com os grandes". Foi no Juazeiro que começou sua carreira, em 1952, no Centro Regional de Publicidade (CRP), escolinha de todos, ou quase todos os radialistas da cidade. Deram-lhe oportunidade os então diretores: Dário Maia Coimbra (Darim) e João Menezes Barbosa. Em 1954 ingressou na Rádio Iracema de Juazeiro, estimulado pelo seu amigo Edésio Oliveira e pelo diretor artístico Expedito Cornélio. Na emissora pioneira do Juazeiro, polivalene e versátil, Alceli fez de tudo: locução comercial, rádio-teatro, diskc-jókey, humorismo, rádiojomalismo e animação de auditório, escrevendo e produzindo os mais variados programas..No início dos anos 1960, resolveu se aventurar no mercado de São Paulo. Brilhou na Rádio Piratininga e na Rádio Eldorado de São Paulo, mas teve que voltar logo ao Juazeiro, por razões familiares, e retomou suas atividades na Rádio Iracema do Juazeiro. Um dos programas de sucesso de Alceli Sobreira na Rádio Iracema, foi Coluna da Hora que apresentou com Assis Ferreira (Escurinho), formando a dupla Xexéu e Cajarana. Era um programa humorístico ,de segunda à sexta-feira, ao meio dia, criticando ou elogiando, quando preciso, as ações da administração municipal e também de outras instituições públicas. Ele próprio chegou a relatar: "Eram textos elaborados de acordo com cartas que recebíamos da população, principalmente, de pessoas residentes nos bairros da periferia, referindo-se às dificuldades de cada localidade. Um dos prefeitos da época costumava dizer que Eu (interpretando Xexéu) e Escurinho, fazendo o Cajarana, éramos fiscais da prefeitura, porque mostrávamos os problemas existentes na cidade e, ao mesmo tempo, apresentávamos sugestões, para solucioná-los". Com esse programa ganhou imensa popularidade. Outro programa seu de grande audiência no Juazeiro do Meu Tempo, final dos anos 1960, foi "Parada da Jovem-Guarda" ,toda as tardes,que tinha como trilha sonora "Escreva uma carta meu amor", sucesso de Roberto Carlos. Formado em Contabilidade pela Escola Técnica do Comércio do Juazeiro, fez um pequeno intervalo em sua carreira artística para se dedicar à gestão pública municipal do Juazeiro, assumindo, em 1977, o cargo de Assessor de Imprensa do Prefeito Ailton Gomes e, em seguida, o cargo de Secretário de Finanças do Município. Em 1984, com a morte do Mestre Coelho Alves, assumiu a direção da Rádio Iracema do Juazeiro. Seu último trabalho em rádio foi como Redator-Chefe da Rádio Vale do Cariri,mais potente emissora do Juazeiro. Além das emissoras do Juazeiro e de São Paulo, Alceli Sobreira atuou também na Rádio Difusora de Cajazeiras(PB) e na Rádio Tupinambá de Sobral(CE). Fora do rádio, foi, durante muitos anos, professor de inglês do Colégio Salesiano do Juazeiro e da Escola Técnica do Comércio do Juazeiro. Escreveu os livros, "Folhas ao Vento" e "Breve História da Radiofonia". No caso da radiofonia, Alceli tinha consciência precisa quanto ao papel do radialista que assim definiu em artigo publicado no Diário do Nordeste: "É a ele que cabe a tarefa de bem informar, de divertir, de promover o entrosamento de toda a comunidade, de orientá-la através de um cuidadoso programa de utilidade pública, de promover também a expansão da cultura por intermédio de sua divulgação freqüente, de dirimir dúvidas do ouvinte, e afinal, com tudo isso dando seu entusiástico e imprescindível contributo ao desenvolvimento e progresso de sua terra!". Embora tivesse grande prestigio e elevada popularidade, Alceli Sobreira tinha como marcas de sua personalidade a simplicidade e a humildade. Despojado, vestia-se como lhe convinha, sem ligar para regras, estilos ou padrões de moda. Raramente aparecia de palitó e gravata (preferia o modelo borboleta), somente em solenidades ou cerimônias especiais. Vestia-se modestamente. Mas no comando de programas de auditório, como "A Cidade se Diverte" abria exceção e aparecia com roupas mais ousadas, ternos de estampas quadriculadas ou xadrêz em cores chamativas, talvez com a intenção de passar e gerar alegria. Para alguns, eram roupas extravagantes, mas, na verdade, Alceli adotava a padronagem de moda do príncipe de Gales Albert Edward (1841-1910), Rei Eduardo VII da Grã-Bretanha , que era muito elogiado por sua elegância. .Alceli calçava modestamente. Flagrei-o diversas vezes, chegando ao trabalho na Rádio Iracema, de sandálias japonesas, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Para ele, mais importante do que vestir ou calçar de acordo com a moda, era fazer bem o que sabia fazer, no mais elevado nível de profissionalismo. Aos companheiros mais jovens, quando procurado, sempre tinha um aconselhamento de técnica e de ética no rádio baseado em sua longa experiência. "Quando desejares um pouco de alento, em momentos de incertezas e indecisão que te possam causar mal, por menor que seja, pensa em mim, que te mostrarei o norte para que saibas o caminho a seguir", escreveu. Culto e dono de extrema sensibilidade humana e artística, Alceli tinha o hábito da leitura de grandes autores, elegendo, entre os preferidos, a escritora ucraniana-pernambucana, Clarice Lispector, de quem cultivava esse pensamento como uma jóia da literatura: "A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas". Depois de mais de 55 anos de atividades radiofônicas, Alceli Sobreira morreu em 2009, sem ter anunciado o que muitos juazeirenses gostariam de ter ouvido no vozeirão dele imitando a lendária PRB-6 de São Paulo: "Juazeiro tem cinco estações; Primavera, Verão, Outono, Inverno e Iracema. Você está ouvindo a ZYH 21, Rádio Iracema, emissora do coração do Juazeiro".Foi-se como viveu, poetando: "Meus versos são compostos de forma direta.Frutos duma inspiração que em meu peito arde.Enfim, louvo ao meu Senhor que me fez poeta!.." Alceli Sobreira lembra muito o poeta pernambucano e meu amigo Mauro Mota(1911-1984) , jornalista, professor, cronista, ensaísta e memorialista dos melhores do Brasil, que foi Diretor de Redação do Diário de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Letras. Comparável na sua simplicidade e na sua poesia de fundo simbólico, focando dramas humanos do cotidiano em linguagem natural e coloquial.Grande Alceli Sobreira, um radialista completo, poeta, professor, poliglota, seguro, versátil, ícone da radiofonia caririense com seu vozeirão poderoso e tonitruante, o trovão nas ondas do rádio.!

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Padre Cícero, O poder de Comunicação" e "Comunicação & Linguagem das Massas"-

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO- DARIM: CRP ESCOLA DO RÁDIO

Mestre da ironia socrática, aquela capaz de demolir orgulho, ignorância e presunção, mas sem sarcasmo pois não era de ofender ninguém, ele tinha habilidade e facilidade para fazer rir com seu enorme repertório de "causos" domésticos, urbanos, políticos, esportivos e históricos.Como nessa referência ao fato ocorrido no Juazeiro em 1926, tempo da Coluna Prestes: "Sabem por que o agrônomo Pedro Uchoa, único servidor do Governo Federal no Juazeiro, no tempo que Lampião, o Rei do Cangaço, veio visitar o Padre Cícero, assinou um documento, sem nenhum valor legal, concedendo a patente de capitão ao bandoleiro Virgulino Ferreira da Silva, o terror dos sertões do Nordeste? Sempre que lhe perguntaram isso, Pedro Uchoa tinha a mesma resposta: "Naquela hora, eu assinava até a demissão do Presidente Artur Bernardes, quanto mais a nomeação de Virgulino". Por isso, Pedro Uchoa ganhou o apelido de Rei do Cangaço, sem o n, naturalmente".(risadas). Foi assim que conheci o bem humorado jornalista, radialista, publicitário, escritor e folclorista Dario Maia Coimbra, o querido Darim, no final de 1967, numa reunião do Lions Clube do Juazeiro, na sede do antigo Treze Atlético Juazeirense. Pouca gente sabe, mas Darim, além de todas as suas atividades, principalmente diretor do Centro Regional de Publicidade-CRP, primeira difusora amplificadora do Juazeiro, era exímio animador do Lions, uma figura responsável pela animação das reuniões do clube com piadas, anedotas e estórias de humor, uma tarefa que Darim cumpria com indisfarçável prazer. Filho da tradicional família Coimbra, do Juazeiro, nascido em 12 de abril de 1932, teve como pais Raimundo Fernandes Coimbra e dona Vicentina Fernandes Maia. Casou em 29 de junho de 1962 com Cícera Silva Coimbra, ex-vereadora do Juazeiro, com quem teve os filhos Dáiro e Polyana. Grande desportista e carnavalesco do Juazeiro, foi membro da Liga Desportiva Juazeirense, e era uma presença marcante nos carnavais de rua e de clubes, um dos maiores foliões do Juazeiro. Brilhou também na década de 50 como jogador de futebol do Treze Atlético Juazeirense e da Seleção do Juazeiro. Mas Darim entrou mesmo para história do Juazeiro como homem de comunicação. Começou sua carreira em 1948 como discotecário e controlista do Centro Regional de Publicidade-CRP, então dirigido pelo seu irmão, Antonio Fernandes Coimbra (Mascote). Depois, virou corretor e redator de anúncios, redator de programação e gerente. Com 22 altofalantes instalados em pontos estratégicos da área central da cidade, o CRP de 1948 já era uma difusora com 10 anos de atividades e devidamente integrada ao desenvolvimento do Juazeiro, como conta o próprio Darim em depoimento ao companheiro Luiz Carlos de Lima para seu livro "Surfando nas Ondas do Rádio": "Estava chegando o final do ano de 1937. A cidade de Juazeiro do Norte continuava a crescer. Notava-se que um órgão de publicidade-comunicação estava faltando para ajudar ao desenvolvimento da Terra do Padre Cícero. E foi assim pensando que Raimundo Gomes de Figueiredo idealizou instalar o Centro Regional de Publicidade que, com a sigla CRP, escreveu seu nome na história de Juazeiro do Norte". E escreveu de forma brilhante, cumprindo uma verdadeira epopéia, porque foi o CRP quem gerou alguns dos maiores nomes da radiofonia juazeirense e caririense. O maior deles, sem dúvida, Lourival Marques, que foi diretor do CRP, de onde saiu em 1943 para a Ceará Rádio Clube, em Fortaleza, e de lá para o Rio de Janeiro, onde se tornou diretor artístico da Rádio Nacional, então a principal emissora do País, líder absoluta de audiência na Era de Ouro do rádio brasileiro. Sobre Lourival, diretor do CRP, disse Darim no mesmo depoimento: '"Criou programas dignos de emissoras de rádio. Homem nascido para o ramo, Lourival lançou os programas "Galo Duro" (perguntas e respostas), por sinal em estilo instrutivo, "Hora do Calouro", "Teatro pelo Microfone" (com a participação da juventude juazeirense), constituindo-se numa verdadeira escola-teatro, "Hora do Guri" e outros. Sua capacidade radiofônica foi logo vista pelos homens da capital, tanto assim que, em pouco tempo, foi chamado para a Ceará Rádio Clube de Fortaleza". Mas, do CRP também saíram: Aderson Brás, locutor e produtor da Ceará Rádio Clube; Coelho Alves, diretor da Rádio Iracema do Juazeiro; Menezes Barbosa, diretor da Rádio Progresso do Juazeiro; Alceli Sobreira, que chegou a brilhar na Rádio Piratininga de São Paulo; João Barbosa, gerente comercial da Rádio Progresso do Juazeiro; Souza Menezes, cronista da Rádio Iracema do Juazeiro; Geraldo Alves, comandante do programa "Discoteca do Fã" na Rádio Iracema do Juazeiro; Geraldo Batista, apresentador do Repórter Cariri na Radio Progresso do Juazeiro; Luiz Carlos de Lima, locutor esportivo da Rádio Iracema do Juazeiro; e o próprio Dário Maia Coimbra, chefe de esportes na primeirad década da Rádio Iracema do Juazeiro. Mais nomes de destaque na radiofonia regional que saíram do CRP: Vilmar Lima,. Erivan Xavier, José Carlos Pimentel, Valmir Lima, Waldir Feitosa, Estevão Rodrigues. Barbosa da Silva, Robson Xavier. O CRP funcionava feito uma autêntica emissora de rádio, com estúdio e pequeno auditório, na rua São Francisco, em frente à Praça Padre Cícero. Foi, na verdade, uma Escola do Radio que colocou dezenas de profissionais nos mercados regional e nacional. Dário Maia Coimbra foi dono e diretor do CRP a partir de 1954, quando Juazeiro já tinha sua primeira emissora, a Rádio Iracema, desde 1951. Na gestão de Darim, o CRP ganhou uma programação mais variada e dinâmica, incluindo noticiosos nacionais e internacionais, crônicas, resenhas esportivas, curiosidades culturais e científicas, seleção musical atualizada e reforço publicitário com o início da propaganda volante.Passou a ser comum ver nas ruas do Juazeiro do Meu Tempo, nos anos finais da década de 1960,a Kombi de Darim, ele próprio dirigindo, com seus altofalantes anunciando as ofertas e promoções de preços baixos das principais lojas comerciais da cidade.Lá vem Darim: "Faça boas compras na Casa Branca, a garça de sua economia". "Beba Cajuína São Geraldo, o melhor refrigerante de caju, um produto genuinamente juazeirense". "Senhora dona de casa, confira o festival de preços baixos d'A Vencedora em ferramentas e utilidades para o lar. Passe n'A Vencedora e saia de lá vencedora em economia". Foi assim que Dário Maia Coimbra fez história com o CRP que ele mesmo chamava "Escolinha do Rádio de Juazeiro do Norte". Existiu e serviu ao desenvolvimento do Juazeiro durante 35 anos até 14 de julho de 1972. Além de diretor do CRP, Darim foi locutor da Rádio Iracema e da Rádio Vale d Cariri,com seu programa "DMC Variedades". Ardoroso defensor do Juazeiro, do qual era ufanista, Darim criou a Semana do Padre Cícero, que é celebrada todos os anos no mês de março. Ex-vereador do Juazeiro(1966), Darim morreu em 22 de julho de 1991, exatamente quando Juazeiro comemorava 80 anos de emancipação política. Por sua participação expressiva no progresso do Juazeiro, como jornalista, radialista, publicitário, articulista, folclorista e desportista, o Governo municipal criou em 11 de março de 2013 a Comenda Dário Maia Coimbra para homenagear, anualmente, profissionais que se destacarem no jornalismo e nos esportes na Metrópole do Cariri. Como escritor, membro do Instituto Cultural do Vale Cairiense-ICVC, Darim deixou dois livros: "Os construtores do Juazeiro" e "Evocação ao Humor". Para Darim, o humor era mais importante que a inteligência e repetia Bertrand Russell: "O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.." Por isso era um piadista militante, onde passava irradiava fina ironia e humor inteligente. Consta que, num domingo de manhã, enquanto circulava com sua Kombi fazendo propaganda volante, ao passar ao lado da Matriz de Nossa Senhora das Dores, vu o seu amigo Padre Murilo de Sá Barreto, outro bem humorado adepto da ironia socrática. Darim aproximou-se: Padre Murilo, tenho uma divida de 20 cruzeiros contraída com Quinco Carvalho, dias antes de sua morte. Estou querendo mandar celebrar uma missa e devolver o dinheiro aos familiares. Padre Murilo: "Darim com esse dinheiro você não manda celebrar nem meia missa". Darim: "Nem mal rezada, Padre?" Padre Murilo: "Nem celebrada por mim!" Leitor e admirador de Miguel de Cervantes, dele guardava essa pérola: "A formosura da alma campeia e denuncia-se na inteligência, na honestidade, no reto procedimento, na liberalidade e na boa educação" De tão animado e animador naquela reunião do Lions, na qual se prestou homenagem a um casal que estava celebrando Bodas de Ouro de união, Darim fez ironia consigo mesmo e sua esposa presente: "Sabem quando eu vou comemorar Bodas de Ouro com Cicinha - ela já começando a rir - sabem quando? Nunca. Porque antes disso, ou eu me separo dela ou eu mato ela". Gargalhada geral. Cicinha, companheira de amor e de humor, quase morreu de rir. Darim era assim. Assim era Darim! Usava o humor como oxigênio da alma. Com a mesma crença de Saint-Exupéry: "O que conduz o mundo é o espírito e não a inteligência".!

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Padre Cícero, O poder de Comunicação" e "Comunicação & Linguagem das Massas"-