sábado, 27 de agosto de 2016

Juazeiro do meu tempo. José Carlos Pimentel: poder persuasivo - Por Jotal Alcides

De acordo com o filósofo grego Aristóteles, discípulo de Platão e professor de Alexandre, o Grande, "a música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição". Por isso, o genial filósofo alemão Friedrich Nietzsche, dizia que "sem música, a vida seria um tremendo erro". E sem música italiana, o erro seria ainda maior. Exatamente no início dos anos dourados do Juazeiro do Meu Tempo, época de ouro do rádio no Cariri, em 1965 Elvis Presley lançou um álbum com Santa Lucia, uma das canções da Itália mais famosas no mundo. Fez grande sucesso, cantando apenas o primeiro trecho em italiano:"Sul mare luccica, l'astro d'argento, plácida é l'onda, prospero Il vento, venite all'agile, barchetta mia, Santa Lucia, Santa Lucia". Essa música, criada por Teodoro Cottrau em 1850, foi gravada pela primeira vez em 1916 por Enrico Caruso. Desde então é sucesso no mundo todo. Quando cheguei na Rádio Progresso do Juazeiro, em 1967,reencontrei José Carlos Pimentel, ardoroso defensor da língua italiana e especialmente da música italiana, que é quase mágica, Certamente, Pimentel herdou isso da convivência com os padres salesianos do Juazeiro, muitos deles vindos da Itália trazendo e reeditando aqui seus costumes, suas tradições, sua arte, sua música, seus sentimentos telúricos, como padre Gino Moratelli, diretor de longa duração do Colégio Salesiano do Juazeiro, com quem eu gostava de ficar ouvindo histórias da Itália saboreando um amendoim torrado na hora do recreio. Era assim que matavam a saudade de sua querida Itália enquanto cumpriam no Brasil sua missão de salesianos de Dom Bosco educando a juventude brasileira.Foi nesse ambiente saudável que José Carlos Pimentel tomou gosto e tornou-se um dos maiores entusiastas da música romântica italiana. Era fã incondicional de Domenico Modugno, um dos maioress cantores italianos do século XX, intérprete de Canzone Per Te, de Sérgio Endrigo e Sérgio Bardotti, vencedora do festival de Sanremo, em 1968, com Roberto Carlos. Mas Pimentel tinha também um grande ídolo na musica brasileira: Aguinaldo Timóteo. Passava o dia cantando "Os verdes campos de minha terra".Quase 50 anos depois,: "dizem que eu imitava muito bem o Aguinaldo", diverte-se gargalhando. Até hoje nunca explicou essa sua tendência para a música, mas, pelo seu perfil intelectual, poderia repetir o que um dia disse Ludwig van Beethoven: "A música é uma revelação superior a toda sabedoria e filosofia". Além de cantante, José Carlos Pimentel na Rádio Progresso era noticiarista. Produzia e apresentava com Erivan Xavier o jornal Progresso, diariamente, às 22 horas, com notícias municipais, nacionais e internacionais.Foi anda cronista social da emissora, apresentando "flagrantes sociais juazeirenses" e promovendo aos domingos o concurso "As dez mais elegantes beldades da sociedade juzeirense". Ele aproveitava a grande freqüência ao Cine Eldorado, perto da emissora, de mocinhas estudantes do Colégio Monsenhor Macedo, que concentrava então a elite da educação feminina no Juazeiro. Cada vencedora recebia um brinde do patrocinador Armarinho Silva, de propriedade do empresário João Silva.Era uma concorrência grande de meninas ansiosas para aparecer em destaque no programa de Pimentel. Essa promoção fez um sucesso tão retumbante que, em 1970, na sua primeira das três eleições que venceu para vereador do Juazeiro, 70% dos votos que recebeu foram das urnas do Colégio Monsenhor Macedo. Para essa eleição ele teve uma ajudinha discreta do Vigário do Juazeiro, seu amigo Padre Murilo de Sá Barreto que, em eventos fora da igreja, aproveitava para deixar seu recado eleitoral: "Não seja retardatário, vote no menino do Vigário". Pimentel foi eleito. Como vereador, assumiu a Prefeitura do Juazeiro por 15 dias, na ausência do prefeito Ailton Gomes, em 1980, em viagem a Argentina. Ainda na gestão pública, Pimentel foi o primeiro bibliotecário da Biblioteca Pública do Juazeiro. Outra atividade marcante de Pimentel na Rádio Progresso foi a de repórter eclesiástico. Como era conhecedor das liturgias católicas exercitadas nos Salesianos e amicíssimo do Padre Murilo de Sá Barreto, foi escalado por Menezes Barbosa para coberturas religiosas da paróquia, principalmente a transmissão da Santa Missa aos domingos, diretamente da Matriz de Nossa Senhora das Dores. Polivalente, inteligente, eficiente, dinâmico, culto, impetuoso, trepidante, elétrico, falante, centelhante, autosufciente e autoconfiante, Pimentel tem anda como marca do sua personalidade a ironia. Para ele, como para Victor Hugo, "é pela ironia que começa a liberdade", sobretudo a liberdade de expressão. Depois que se tornou advogado, então, sua irreverência triplicou e ficou com a língua afiadíssima. Advogado destemido, franco e agressivo, sem papa na língua, como seus clientes gostam. É um apaixonado pelo poder das palavras, da música e da inteligência. Gosta de estar ao lado de pessoas inteligentes. Pessoas vazias e chatas lhe dão estresse, impaciência e sonolência. Faz crítica severa aos políticos brasileiros, considerando quase todos corruptos e ladrões. E lamenta que o Judiciário brasileiro esteja tão deteriorado moralmente, de credibilidade abalada junto à população. Querido, admirado e bem relacionado no Forum do Juazeiro, não deixa escapar as falhas circunstanciais, nem limitações, omissões ou excessos de sua entidade associativa, a OAB, sigla que ele traduz como Organização Antonio Besteira, causando risadas entre juízes e advogados. Entre eles, não é dificil . encontrar alguém que já tenha dito para Pimentel, sorrindo. "Quero morrer seu amigo..." Humor gera humor. No fundo, no fundo, sabe ser grande amigo, amigo dos amigos, contados nos dedos por seu espírito altamente seletivo. Detesta imbecis e não tolera imbecilidades. Sempre usou a ironia como uma brincadeira de espírito, mas sabendo que ela pode abalar poderes majestáticos porque até o mais violento tirano se dobra ao ser caricaturado. Em resumo, José Carlos Pimentel é uma das grandes figuras da época de ouro do rádio caririense, que virou político pela popularidade alcançada e advogado dos mais requisitados do Cariri, sempre acreditando no provérbio italiano: "Volere é potere (Querer é poder). No seu tempo de Rádio Progresso, artisticamente criativo e talentoso, por diversas vezes animou e cantou em shows da emissora na Quadra João Cornélio. Mas, sabem onde o ilustre advogado de hoje começou sua carreira radiofônica? Na Amplificadora Domingos Sávio, que funcionava internamente no Colégio Salesiano do Juazeiro, instalada no primeiro andar ao lado da Sacristia da antiga capela, com visão para o campo de futebol, de onde ele e seu amigo Daniel Walker transmitiam informações de utilidade aos estudantes ,mensagens salesianas, conselhos de Dom Bosco, música clássica e instrumental, e jogos do campeonato de times do colégio. Foi assim que os dois começaram a sonhar em trabalhar em rádio. Acreditaram, foram à luta e se realizaram pois os dois marcaram a história da radiofonia no Cariri. Bem que poderiam ter formado uma dupla esportiva no rádio: Pimentel, mais agitado e expansivo, como locutor esportivo; e Daniel, mais contido e reflexivo, como,comentarista esportivo. Penso que os dois, dotados de raciocínio lógico, tirocínio jornalístico, capacidade intelectual, inteligência emocional, robustez cultural e visão holística, poderiam ter construído uma dupla do barulho de alto nível para balançar as redes da audiência regional e empolgar as massas torcedoras, sofredoras e vibradoras. Dono de espirituosidade, sagacidade, perspicácia e loquacidade, José Carlos Pimentel teve sua capacidade intelectual potencializada e turbinada por sólida formação cultural salesiana, tornando-se num cara singularmente plural. Seguramente, por essa razão tem outra particularidade que desde sempre tenho observado em seu perfil: amor-próprio incondicional ou seja, ama-se a si mesmo integralmente, sem restrições. Ama suas virtudes e ama seus defeitos. Ninguém é perfeito. Não que goste dos seus defeitos e não tente superá-los. Significa que tem aceitação total e verdadeira por si próprio, o que é muito favorável ao sucesso. E mesmo que algum defeito imponha desafio como um mal perturbador, ele tem a força oposta de uma virtude para se livrar dele: "quem canta seus males espanta". Conheci Pimentel em 1958., em noite de espetáculo artístico no Colégio Salesiano. Eu, bem garoto, na platéia, e ele, ainda garoto, no palco, solo, cantando Santa Lucia, a bela canção napolitana::"No mar brilha, a estrela de prata, plácida é a vaga, o vento é favorável, venha ligeiro, meu barquinho, Santa Lucia! Santa Lucia!" Se o escritor italiano Franco Moschino estivesse lá teria dito: "A música se expande como a luz por todos os lugares onde passa". Pimentel parece que sabia desse poder persuasivo e exultava com seu canto iluminado. Bravíssimo! Aplaudidíssimo! !

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "PRA-8 O Rádio no Brasil" e "O Recife, Berço Brasílico".

Um comentário:

  1. Conheço José Carlos Pimentel de longas datas, também desde o Colégio Salesiano, onde ele era coroinha nas missas matinais. Sempre muito inquieto e locomovendo-se com extrema rapidez, dava-nos a impressão de querer fazer muita coisa ao mesmo tempo. Sempre nos cumprimentamos, mas não tivemos amizade estreita. No entanto, pude observá-lo em ação no viver cotidiano de nossa cidade e passei a admirá-lo. Então, aquele menino que era conhecido por "Lopreu", apelido que não sei de onde saiu nem se tem algum significado - mas, sem dúvida, pejorativo - logo foi sendo esquecido, e o nome José Carlos Pimentel se impôs ao ponto de merecer todos esses elogios sinceros e fidedignos ínsitos nessa crônica/testemunho de J. Alcides.

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