sábado, 20 de agosto de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO-11 COELHO ALVES, MESTRE DO RÁDIO - Por Jota Alcides

Mestre dos Mestres da filosofia oriental, Confucio ( 551 a.C. – 479 a.C.) formou uma escola que disseminou pelo mundo essenciais princípios de vida para melhoria da humanidade: altruísmo; cortesia ritual; conhecimento; integridade; fidelidade; justiça; retidão; e honradez. Durante 15 anos, de 1952 a 1967, ele foi o Rei do Rádio no Cariri. Tudo que se relacionava com rádio - programação musical, jornadas esportivas, programação cultural, formação de equipes, shows artísticos, reportagens externas, coberturas políticas, publicidade radiofônica, gravações comerciais etc - era com ele: Coelho Alves, diretor da Rádio Iracema do Juazeiro, a pioneira da Rede Iracemista de Rádio no Cariri. Depois da chegada da Rádio Progresso em 1967, ele passou a dividir o reinado com Menezes Barbosa, diretor da nova emissora que assumiu já com elevado prestígio intelectual, mas Coelho Alves manteve sua condição de grande ícone da radiofonia caiririense, sendo reverenciado e homenageado como Mestre do Rádio, carinhosamente chamado "Mestre Coelho". Curiosamente, conquistou esse reconhecimento praticando, talvez até sem saber, os mesmos princípios da doutrina confucionista. Mas, também por intuição, ele seguia Shakespeare: "Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática". Foi assim que Coelho Alves se tornou mestre. Formado em contabilidade pela Escola Técnica do Comércio de Juazeiro do Norte, Coelho Alves começou na radiofonia em 1942 no Centro Regional de Publicidade do Juazeiro, convidado então pelo diretor Lourival Marques, juazeirense que foi mais tarde grande e inovador diretor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro., na Era de Ouro do rádio brasileiro.Em 1951, passou a integrar a primeira emissora de Juazeiro, Radio Iracema,por indicação de Lourival Marques ao Grupo Irmãos Parente, dono da nova estação, tornando-se no ano seguinte seu diretor. Como diretor da Rádio Iracema, Coelho Alves enfrentou muitas dificuldades. A rádio era o símbolo do desenvolvimento do Juazeiro, mas a cidade ainda tinha um comércio varejista incipiente e era uma verdadeira batalha conseguir anúncio publicitário para manter a emissora. Outro grande obstáculo: Juazeiro ainda não tinha a energia de Paulo Afonso, que só chegou em 1961, pioneiramente no Ceará. Até então a cidade era iluminada por geradores mantidos pela Prefeitura durante parte da noite. Eram poucas as residências com aparelhos receptores de rádio. Tudo isso era dificuldade para audiência e expansão da emissora. Coelho Alves teve que, praticamente, desbravar uma floresta e começar tudo do zero. Mas, paciente e perseverante, foi à luta para conseguir sua realização. Com a chegada da energia elétrica permanente, fornecida pela Chesf e distribuída no Juazeiro pela Celca-Companhia de Eletricidade do Cariri, dez anos depois da inauguração da Rádio Iracema, Juazeiro ganhou novo impulso de progresso. O comércio se abasteceu de eletrodomésticos e houve correria compulsiva às compras de geladeiras, fogões, enceradeiras, chuveiros, liquidificadores, ferros de passar roupas, ventiladores, aspiradores, aparelhos de rádio. Juazeiro ganhou até uma fábrica de rádios - a IESA, Indústrias Eletromáquinas S/A. Mercado aquecido, mais publicidade. Surgiram novos anunciantes, um alívio para Coelho Alves na luta para manutenção da emissora pioneira. Até o Juazeiro do Meu Tempo, final dos anos 1960, grandes nomes da radiofonia juazeirense começaram, cresceram e se projetaram na região do Cariri e no Ceará, sob a direção e a orientação do Mestre Coelho.Cronistas: Souza Menezes, Expedito Cornélio, Elias Sobral; comentaristas esportivos: Luiz Marques, Nestor Gondim, José Boaventura; locutores esportivos: Dário Maia Coimbra, Luiz Carlos de Lima, Francisco de Assis Silva(Foguinho), Vilmar Lima, Carlos Alencar; Jucier Lima; repórteres esportivos: Lucier Menezes, Cícero Antonio, Paulo Duarte, Dalton Medeiros; disck-joqueis e animadores: Alceli Sobreira, Geraldo Alves, Aguinaldo Carlos, Pedro Duarte, Maciel Silva, Jose Brasileiro, Aloisio Campelo, Robson Xavier; redatores: Daniel Walker, Iderval Pedroso, Donizeti Sobreira,Erivan Xavier; ;locutoras:Wilany Magalhães, Almery Sobreira, Vilma Maria. Foi mestre e amigo de todos eles. Segundo Friedrich Nietzsche "quem é fundamentalmente um mestre, apenas toma a sério tudo o que se relaciona com os seus discípulos, - incluindo a si próprio". Coelho era assim. Não era um intelectual acadêmico, mas um intelectual popular,com sensibilidade e sabedoria. Descobriu na dureza da experiência que a arte de pensar é um tesouro dos sábios. Aprendeu a pensar antes de reagir e a entender cada pessoa como ser único no universo. Sabia incendiar a motivação de cada um dos seus para vencer obstáculos aparentemente intransponíveis. Para todos eles, um mestre inesquecível que soube ensinar de forma simples, humana e alegre. Além disso, Coelho tinha um diferencial, valor agregado, sua belíssima voz, "uma voz amiga dentro do seu lar" que encantava a todos no Cariri. Minha relação com Coelho Alves foi inicialmente uma relação típica de principiante diante de um professor, veterano e pioneiro, de todos mestre e mestre para todos.. Tinha por ele admiração e respeito, com certa inibição para me aproximar e puxar uma conversa. Parece que ele percebia isso e me tratava com cordialidade, educação e gentileza. Por isso, eu achava Coelho meio sério e meio risonho. Sobre isso encontrei, depois, explicação em Machado de Assis: "O Mestre deve ser meio sério, para dar autoridade à lição e meio risonho, para obter o perdão da correção se houver necessidade". Ao final de 1969, na calçada do Jaçanã Lanches, no Edifício M. Oliveira. Coelho Alves. sabendo que eu estava me preparando para voltar ao Recife, falou-me direto e franco, seu estilo: "Quero mandar Cícero Antonio (seu filho) para Recife também para trabalhar e estudar. Mas, ele tem uma dificuldade enorme para viver longe de casa e do Juazeiro. Preciso de uma pessoa que ajude ele a conhecer o Recife, gostar do Recife e se desligar um pouco do Juazeiro porque somente assim ele terá seu rumo próprio na vida. Aqui, perto dos pais, não conseguirá. Você faria isso por mim?. Eu confio em você!". Como exímio locutor, Coelho sabia o valor das palavras. Mais uma vez inspirava-se no Mestre Confucio: "Quem não conhece o valor das palavras não saberá conhecer os homens". Com o amor de pai e de verdadeiro mestre, queria que o filho-discípulo aprendesse a desenvencilhar-se sozinho na vida. Desde esse momento, então, nosso relacionamento, que era apenas de cordialidade, virou amizade. Tornei-me cúmplice de Coelho Alves em favor do seu filho Cicero Antonio.. Mas o plano era modesto para solução de Cícero Antonio..Com imaginação fértil, ele ficava inventando coisas para passar o fim-de-semana no Juazeiro. Até "buscar um cinto deixado em casa e que está me fazendo falta". Parecia brincadeira. Mas, em verdade, Cícero Antonio era apegadíssimo ao pai. Não conseguia viver longe dele. O plano fracassou. Por conta desse distanciamento forçado, tornou-se um rebelde sem causa. Não quis ficar no Recife, não ficou. Até o dia em que arranjou uma causa bem longe do Juazeiro e do Brasil. Foi estudar Turismo na Espanha. Em 1970, Coelho Alves fez uma viagem ao Recife para renovação de contrato publicitário com o representante dos Relógios Grão-Duque, anunciante da Rádio Iracema. Aproveitou e foi visitar-me no Rádio Clube de Pernambuco, Palácio do Rádio, avenida Cruz Cabugá, bairro de Santo Amaro. Recebi-o com alegria e mostrei-lhe as principais instalações da emissora pioneira na América Latina. No estúdio A, onde eram apresentados ao vivo os programas campeões de audiência, diante dos possantes microfones da PRA-8, Coelho ficou pensativo e confessou: "Eu era para estar trabalhando aqui nestes microfones famosos do radio brasileiro. Fui convidado duas vezes. Mas eu nunca quis sair do Juazeiro. Eu amo Juazeiro, vou morrer no Juazeiro". Foi o que aconteceu no dia 24 de novembro de 1984. Depois do almoço em casa na rua São José, ao lado de sua querida esposa, dona Rosa, Coelho foi fazer o que mais gostava nesse horário: tirar uma soneca numa bela rede, caprichosamente produzida pelo diversificado e criativo artesanato juazeirense, armada na sala. Mas enquanto dormia, seu coração parou e calou a voz mais bonita do Cariri. Sua sonoridade inconfundível agora está presente apenas em sinais de radioestesia no horizonte da eternidade. Saudade, Mestre Coelho!

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "PRA-8 O Rádio no Brasil" e "Juazeiro, Cidade Gloriosa"

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