sábado, 22 de outubro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO. JOSÉ BOAVENTURA: VISÃO ACADÊMICA - Por Jota Alcides

Prêmio Nobel de Literatura de 1957, Albert Camus(1913-1960) foi jornalista, escritor, romancista, ensaísta, conferencista, dramaturgo e filósofo francês. Era apaixonado por futebol. Chegou a fazer parte da Seleção Universitária de Futebol da França, como goleiro e bom goleiro. Em 1949, esteve no Brasil onde veio fazer palestra e ficou impressionado com a paixão dos brasileiros pelo futebol, esporte que lhe ensinou tanto e foi tão importante em sua obra filosófica-literária: "O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol". Isso pode ser ainda mais forte num país como o Brasil, onde o futebol, além de proporcionar entretenimento para grandes massas populares, é um fenômeno econômico: De acordo com o Plano de Modernização do Futebol Brasileiro, da Fundação Getúlio Vargas, o futebol no Brasil movimenta US$ 250 bilhões por ano, responde por 30 milhões de praticantes formais e não-formais; e por 300 mil empregos diretos. Tão apaixonados pelo futebol quanto Albert Camus, muitos radialistas brasileiros se fizeram famosos nas décadas de 1960 e 1970 como comentaristas no rádio: João Saldanha (Rio), "o comentarista que o Brasil consagrou"; Cláudio Carsughi (São Paulo) "o comentarista internacional"; Luiz Mendes (Rio),"o comentarista da palavra fácil", Sérgio Noronha (Rio), "o comentarista que a galera espera"; Armando Oliveira (Salvador), "o comentarista nº 01 do Brasil"; Rui Porto(Rio), "o comentarista de classe para todas as classes"; Barbosa Filho (São Paulo), "o comentarista que saiu do Norte para agradar o Brasil inteiro"; Mário Moraes (São Paulo), "o comentarista mais famoso do Brasil"; e Luis Cavalcante(Recife), "o comentarista da palavra abalizada". Para se manter bem informado sobre futebol no Brasil, os torcedores sabem que o veículo que melhor cobre, difunde e promove este esporte é o rádio. Destacam-se no Rio de Janeiro, Rádio Nacional, Rádio Globo e Rádio Tupi; em São Paulo, Rádio Bandeirantes, Rádio Jovem Pan e Rádio Record; em Belo Horizonte, Rádio Itatiaia; em Porto Alegre, Rádios Farroupilha, Rádio Gaúcha e Rádio Guaíba;no Recife, Rádio Jornal do Commércio e Rádio Clube de Pernambuco, em Curitiba, Rádio Clube Paranaense; e em Fortaleza, Rádio Verdes Mares. Estas emissoras são marcas registradas na história do rádio esportivo brasileiro.Na época de ouro do rádio no Cariri, pontificava o comentarista José Boaventura, da Rádio Iracema do Juazeiro, desde 1960. Boaventura tinha "inteligência visual", o que poucos comentaristas de futebol têm, algo veementemente criticado pelo genial escritor, ensaísta, romancista, dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues: "O pior cego é o míope. E pior que o míope é o que enxerga bem, mas não entende o que enxerga". Ou seja, o bom comentarista de futebol precisa ter "inteligência visual". Assim como tinha o sensacional craque holandês Johan Cruyff , um gênio dentro de campo, enxergando passes e espaços que ninguém mais enxergava: "Eu sempre jogava a bola para frente porque se eu a recebesse de volta, era o único jogador desmarcado". Formado em História e pós-graduado pela Universidade Regional do Cariri-Urca, radialista, professor universitário, escritor e técnico de futebol, membro titular do Instituto Cultural do Vale Caririense-ICVC, fundador do Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio-Culturais e autor do livro "Escola Normal do Juazeiro - Uma experiência pioneira", ele usava o conhecimento para ampliar o seu capital cultural e para a transformação do meio-ambiente, inclusive o futebol e o rádio-esportivo, pela pedagogia da qualidade. Enquanto do outro lado, na Rádio Progresso do Juazeiro, o jovem Wilton Bezerra era uma promessa de bom comentarista, depois confirmada, na Rádio Iracema o José Boaventura já era um comentarista de conceito já realizado, consolidado, um ícone do radioesportivo caririense, com popularidade e credibilidade muito além do Juazeiro e do Cariri. Ex-funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, foi também professor da Universidade Estadual do Ceará(UECE). no Juazeiro. Como educador, Boaventura tinha o mesmo sentimento do ex-reitor da Universidade de Brasília, senador Cristovam Buarque: " O Brasil está entre os 8 melhores do mundo no futebol e fica triste. É 85º lugar em educação, mas não tem tristeza".Por isso Boaventura contribuiu muito para a expansão e a democratização do ensino superior no Cariri disseminando os cursos da UVA-Universidade do Vale do Acaraú para além do triãngulo JUABC (Juazeiro, Barbalha e Crato), alcançando Caririaçu, Milagres e Missão Velha. Boaventura era pós-graduado em Administração Escolar e Pesquisa Histórica e Sociológica pela Universidade Federal do Ceará e pela Universidade Estadual do Ceará. Com esse perfll intelectual e cultural, Boaventura poderia fazer sucesso em qualquer grande emissora do Rio ou São Paulo, pois reunia as principais qualidades de um bom comentarista esportivo: tenacidade (para defender corajosamente suas convicções mesmo que desagradem aos competidores); racionalidade (para não deixar se exaltar por paixões próprias ou das torcidas); imparcialidade (para garantir neutralidade nas análises dos clubes em disputa); objetividade ( para não produzir análise reducionista demais ou prolixa demais); honestidade (para exercício do caráter com absoluta fidelidade aos fatos reais dentro e fora das quatro linhas do gramado); previsibilidade (para apontar aos torcedores o caminho técnico ou tático da superação ou da vitória). Portanto, ser comentarista esportivo é um grande desafio, acrescentando-se que é um segmento do rádio bastante competitivo. Para se obter o sucesso, são necessárias uma boa formação cultural e uma grande experiência na especialidade. O comentarista precisa possuir conhecimento profundo das regras, terminologia e história do futebol e outros esportes. Detalhe: não pode parar de estudar, de buscar o crescimento intelectual, porque o mercado está em constante evolução. Além disso, Boaventura aproveitava os intervalos disponíveis para estudar ética, negócios esportivos, entretenimento esportivo e o papel social do futebol. Austero e severo consigo mesmo, além de metódico e perfeccionista, Boaventura submetia-se às exigências de professor de si próprio para subir degraus do conhecimento em busca do maior aprimoramento e de maior qualificação pessoal eprofissional. Conforme seu grande amigo e companheiro de muitos anos, o narrador esportivo Luiz Carlos de Lima, "estava no íntimo dele estudar, pesquisar, aprender e, o que era mais importante, ensinar a quantos se interessassem pelo seu saber". Foi assim, como autêntico professor e com sua vocação acadêmica, que ele deu grande contribuição para a qualificação da crônica esportiva do Cariri. Para ele, popularidade e credibilidade eram importantes, porém, tão ou mais importantes eram confiabilidade e respeitabilidade..E isso só se conquista pela qualificação, pela força do conhecimento e pelo estudo acadêmico. Afinal, a função principal do comentarista esportivo é cerebral, é pensante, é analisar e criticar. Meu professor de jornalismo na Universidade, escritor Luiz Beltrão o primeiro doutor em jornalismo no Brasil.,dizia que opinar para o jornalista, "não é apenas um direito, mas um dever, pois, de ofício, está incluído entre os que fazem profissão de opinar". Dessa forma, o comentarista deve buscar captar os fatos, valores e objetos que são de importância num jogo de futebol e o responder às preocupações dos torcedores. De preferência, tendo uma visão abrangente do futebol como fenômeno social, fenômeno cultural e fenômeno econômico.. Caririense, Boaventura era natural de Caririaçu, na Região Metropolitana do Juazeiro, a mesma cidade que deu o narrador esportivo Wilson Machado à Ceará Rádio Clube e o noticiarista Jota Alcides ao Rádio Clube de Pernambuco. Além da Rádio Iracema do Juazeiro, Boaventura foi comentarista esportivo da Rádio Progresso do Juazeiro e da Rádio Vale do Cariri, também do Juazeiro. Chegou a receber propostas para trabalhar na capital, mas nunca quis deixar Juazeiro, cidade que o acolheu generosamente e que ele amava. Pelo que atestam seus amigos mais próximos, Boaventura fez da sua vida um jogo de futebol. Só não venceu o tumor no pâncreas que lhe tirou a vida aos 65 anos de idade,em 21 de janeiro de 2005,mas enquanto viveu driblou os demais adversários, chutou as tristezas, superou os desafios, fez gols de felicidade e correu para o abraço da torcida que sempre lhe prestigiou com carinho, admiração, respeito e aplauso. Como Albert Camus, tudo que ele conquistou e tudo que aprendeu sobre valores humanos, sociais, morais e desportivos, foi graças ao futebol onde atuou por quase 50 anos sempre pautado pela correção, pela verdade e pela busca da perfeição, como determinava sua pedagogia da qualidade. Foi assim que honrou, dignificou, valorizou, promoveu e qualificou a combativa crônica esportiva caririense que tem feito história na imprensa do Ceará. Agora, seu nome é uma referência na paisagem urbana do Juazeiro: Praça José Boaventura, no bairro de Tiradentes. Ao celebrar a missa de corpo presente em 2005, seu amigo Padre Murilo Barreto,Vigário do Juazeiro, lembrou que José Boaventura foi um exemplo de pai, professor, homem de comunicação e da Igreja pois era membro do Encontro de Casais com Cristo (ECC).. Pelos seus estudos superiores, pelo seu magistério superior, por suas atividades de pesquisa histórica e sociológica e pelo seu engajamento cultural, José Boaventura chegou ao fim do jogo da vida qualificado e credenciado como comentarista de visão acadêmica, obtendo e acumulando alta credibilidade, densa popularidade, enorme confiabilidade e grande respeitabilidade. Deu prestígio, honra e glória à radiofonia cariiriense e ao rádio do Ceará. Valeu, Boaventura!

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Padre Cícero, O poder de Comunicação" e "Comunicação & Linguagem das Massas"-

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